quinta-feira, 23 de abril de 2015

ANDARILHOS DA CLARIDADE – OS PRIMEIROS HABITANTES DO CERRADO


- Como teria sido feito o povoamento do Continente Sul Americano?
- Este é o enfoque do trabalho de pesquisa realizada entre 1989/90, pelo professor e pesquisador Altair Sales Barbosa, e que foi  publicado em 2002 pela Universidade Católica de GO - A maior parte da pesquisa, apresentada como tese de doutorado, foi realizada no Smithsonian Institute – USA.  Conta com o prefácio de PhD Betty Meggers e do Prof. Dr. Pedro Ignácio Schmitz  da Unisinos – RS.Tem como fundamento a biogeografia baseada em trabalhos especializados como do professor Aziz N. Ab'Saber, com destaque para o cerrado do Brasil Central e outros autores citados em ampla bibliografia especializada.
O trabalho de amostragem foi feito em diversas áreas tendo como núcleos principais Caiapônia, Serranópolis e Parque Nacional das Emas (GO), em Monte do Carmo (TO) e no município de Correntina (BA), envolvendo vários pesquisadores do Programa Arqueológico de Goiás.
O estudo abrange áreas diversificadas do ambiente do cerrado no período do Pleistoceno Superior. As datações de 11.000 e 8.500 anos AP (antes do presente), podem recuar a 12.000 anos AP – a região aberta, "Tradição Itaparica", com características morfoclimáticas e fitogeográficas próprias é considerado como o local ideal para a presença de povos migrantes vindos do norte e da região andina. Ela é uma região de tradição lítica com vestígios de ocupação por povos antigos.
O autor utiliza o "Modelo Biogeográfico" proposto por Betty J. Meggers (1977) para estudar a adaptação cultural pré-histórica na Amazônia, por povos agricultores quando a região era mais aberta. A posterior mudança ambiental (clima mais seco, flora e fauna diferentes das atuais) ocorridas durante o Quaternário (10 mil e 2 mil anos atrás) promoveu a fragmentação da floresta, e a reduziu a "refúgios" separados por espaços abertos. Essas áreas de "refúgios" marcam épocas de clímax das situações de adaptação. A esse modelo fisiográfico os antropólogos acrescentam dados linguísticos, arqueológicos e etnográficos para reconstruir o passado.
A tese defendida é que a diversidade cultural observada esteja realmente relacionada com os dados biogeográficos observados na região provocando o isolamento de alguns grupos "primitivos" enquanto outros tinham oportunidade de aculturação pela facilidade de comunicação e progresso tecnológico.
As oscilações climáticas que influíram gradativamente na expansão ou redução das áreas florestais influiriam nas mudanças de atividades ora predominando a agricultura, ora a caça e coleta. Práticas culturais com a cerâmica, vestimentas ornamentais e plumária, na Amazônia, seriam hábitos mais recentes. Baseado nesse modelo de Meggers, o autor  apresenta o estudo da região "Tradição Itaparica" - como um complexo industrial lítico mais antigo e homogêneo do Planalto Central Brasileiro. Consta de raspadores plano-convexos unifaciais, com retoques unifaciais nas bordas; são lesmas, 'facas' e lâminas - em sílex, jaspe, calcedônia, granito, quartzo, etc. Esta fase vai de 11 mil a 9 mil anos AP, quando é substituído.
O estudo leva em conta também restos fósseis de animais e plantas, forma de subsistência e as relações com o meio ambiente.
Dentro da América do Sul destaca o Sistema Biogeográfico do Cerrado onde o clima é mais estável o que levou a uma ocupação mais duradoura. A presença de flora e fauna próprias variadas permitia a sobrevivência dos grupos; o texto nos brinda com   capítulos especiais detalhando a variedade de espécies vegetais e animais do imenso cerrado brasileiro.
Destaca o Domínio Paleoíndio na América do Sul e sua organização para o entendimento da ocupação e os mecanismos de povoamento da região. No estudo do Paleoíndio no Sistema Biogeográfico dos Cerrados mais uma vez detalha suas divisões, apresentando as características e recursos naturais regionais. Sobre o povoamento e seus processos faz uma síntese em busca de respostas para o modelo adotado.
Acompanham fato material ilustrativo com mapas relacionados aos diferentes temas: vegetação - floresta úmida de Amazônia e sua relação com os "refúgios", postulado sobre a base das distribuições das espécies modernas de aves e répteis; distribuição dos diferentes troncos linguísticos (Gê-Pano-Caribe); a tradição arqueológica Tupi-Guarani, etc.
Uma série de gráficos e quadros  ilustram as variações de temperatura e umidade no Pleistoceno/Holoceno em diversas áreas da América do Sul.
Nas conclusões supõe que tomando como base a proposta de Greenberg (1960) os grupos atuais tiveram origem no tronco linguístico ancestral Gê-Pano-Caribe.
Associados aos refúgios, às rotas de difusão da fauna para áreas mais abertas para o sul, o autor demonstra que o grupo macro-gê (10 mil anos AP) viveu na região. Eles se dedicavam à coleta e caça, sem ainda apresentar concentrações mais homogêneas. 
Cada área, núcleo ou "horizonte" tem suas características conforme o ambiente natural, ora com abrigos e paredões com pinturas, ora apresentando espaços abertos.
Houve um "horizonte" cultural que agia nas savanas e outras formações aberta, localizados a leste dos Andes (15mil e 12 mil anos AP) que se dedicavam à caça de animais de porte atualmente extintos. Ocorreram  migrações a partir das savanas Colombianas. Com as modificações climáticas, de vegetação e fauna que variaram de região para região, criaram-se mosaicos naturais, ao invés de áreas contínuas. O impacto dessas alterações agiu diretamente sobre os povos da região que migraram em busca de alternativas nos cerrados dos chapadões centrais do Brasil. Informa que os achados arqueológicos de Raimundo Nonato e Lagoa Santa ainda não estão vinculados a estes grupos por ele estudados.

-“Sempre acreditei que a organização de uma obra cientifica fosse o coroamento da vida acadêmica dedicada à pesquisa. Hoje sei que também pode ser o início”. (prof. Altair S. Barbosa)